O destino bate a porta da Casa Pedrini
Às vezes nem tudo sai como o planejado. O destino dá as caras e mostra que o idealizado fica no papel mesmo. Foi isso que aconteceu com os rumos da casa Pedrini. Uma construção fora da vista principal da Baía Babitonga, mas que encanta com seu charme e simplicidade da fachada.
A pequena construção de estilo eclético fica coladinha com a calçada, assim como toda a vizinhança da rua General Osório. Na sua fachada, uma porta e três janelas de madeira convidam a conhecer seu interior. A casa cor de rosa pouco se tem registro, sua história foi perdida com o tempo e o que nos resta é imaginar o que as suas largas paredes já presenciaram, mas acreditasse que ali viveu um comandante da Marinha chamado Pedrini.
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Jorge Luiz, conhecido como Bizuca, cresceu pelas ruas do centro histórico, ele descende de uma das mais tradicionais famílias francisquenses, a família Truppel. Contudo, não foi no meio das construções antigas que criou seus filhos ou em que amou sua companheira Iracema Carvalho Truppel. A família encontrou um lar no remoto bairro do Paulas.
A casa um tanto grande era longe do sobrado em que foi criado, bem no centro histórico da cidade, mas Bizuca e Cema viveram anos felizes e de conquistas naquela localidade. Com os filhos crescidos e morando fora, o casal não via sentido em continuar na residência que um dia abrigou tanta gente. Ela ficou grande demais para eles e era hora de dar adeus.
“Eu vivia dizendo: eu quero vender, quero vender. Não aguento mais essa casa. Ela é grande, o terreno é grande, tudo é muito grande. Quero vender e morar em uma casa bem pequenininha” - Iracema Truppel
A dupla logo arrumou as coisas e colocou o imóvel à venda. Eles não tinham muita exigência para o novo lar, apenas que fosse pequeno. Pelo casal, eles continuavam no bairro que moravam, mas Jorge é proprietário do terreno que abriga o restaurante Container, na rua Lauro Muller - uma das principais do centro histórico -, e estava tudo certo para eles construírem em cima. Contudo, os planos foram por água abaixo com uma conversa casual e orçamento restrito.
O projeto estava pronto e o negócio estava fechado com a arquiteta. Os planos tinham sido encaminhados para a aprovação do IPHAN, quando Cema decidiu passar na loja de calçados GG - um comércio tradicional do centro histórico da cidade -, e teve uma conversa que mudaria os rumos da sua vida. Ela começou a falar com Ricardo Assef, proprietário do estabelecimento, sobre a futura construção e, como um amigo próximo do casal, ele deu a sua visão sobre as projeções dos Truppel.
Ricardo falou sobre a construção, que necessariamente seria uma casa no segundo andar, e como um imóvel com escadas prejudicaria o joelho já fragilizado de Bizuca. O amigo da família comentou que sua prima estava vendendo uma casa na rua que morava e convenceu Cema a dar uma olhada.
No mesmo dia, ela saiu da loja com uma visita à casa agendada. O casal gostou do imóvel, mas o preço pedido era muito além do que poderiam pagar e o acordo não foi finalizado. Na mesma semana, Cema voltou ao estabelecimento e agradeceu a tentativa. Entretanto, novamente ela saiu com um número e uma casa para visitar. Uma das funcionárias ouviu a conversa e disse que uma parente estava vendendo sua casa no final da mesma rua. Iracema, que não estava tão animada, foi conhecer o local mesmo assim.
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Eu queria morar num ovo, numa casa bem pequena. A gente estava do lado de fora da casa que tinha uma porta e algumas janelas, uma construção singela. Contudo, assim que eu entrei nessa casa, ela me abraçou
O casal se apaixonou pela residência assim que pisou nela. Foi no final de janeiro de 2022 que fecharam o contrato e tinham, finalmente, conseguido a tão sonhada casinha. Mesmo com o terreno na parte histórica da cidade, Jorge crescendo por ali e Iracema sendo uma apaixonada por antiguidades, morar nesta região do município nunca tinha passado pelos planos dos amantes.
Eles encontraram no bairro do Paulas um recanto de sossego e paz, mas que mesmo assim vinha com consequências. Para chegar no local, é necessário passar pelo porto e pela linha ferroviária que divide a cidade. Ao longo dos anos, o casal perdeu muito tempo esperando o trem fazer as manobras e a passagem das filas enormes de caminhões que seguiam em direção ao porto.
“Eu nunca pensei em morar aqui, mas eu disse assim: ‘Já que não vamos morar no Paulas, a única exigência é não passar pelo trilho.’ Foram mais de 33 anos de espera do trem, porque ali vindo do Paulas é onde o trem faz a manobra. Só quem mora no Paulas sabe o que são 20 ou 25 minutos na fila” - Iracema Truppel
Foram três meses de reforma e idas e vindas no IPHAN para regularizar a manutenção. Não houve grandes mudanças, algumas tomadas e lâmpadas trocadas, pintura refeita e a maior delas foi o fechamento de uma janela. Para Cema, quando pela primeira vez, estava apaixonada e não percebeu alguns defeitos. Como foi o caso da janela na cozinha que dava visão para o banheiro da área externa.
O rosa choque que colore a fachada não foi a primeira escolha do casal, mas foi a opção que mais agradou e correspondeu com as diretrizes do IPHAN. Na parte externa atrás da casa, o amarelo recorrente do centro volta a brilhar. O jardim de inverno é adornado por madeirinhas e um pomar. A casa, por ser antiga, foi feita com pedras, pó de conchas e óleo de baleia. Para dar uma estética diferente na área, algumas partes da tinta foram descascadas, deixando à mostra sua estrutura. Apesar da beleza, Cema notou que o pó das conchas se desprende facilmente e se acumula nos cantos da parede.
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A nova proprietária da casa 66 é apaixonada por objetos antigos e pela história das coisas. Seu desejo era poder decorar a casa com móveis encontrados em antiquários, mas, segundo a mesma, são absurdamente caros. Ela brinca que seus filhos pegam no pé por ela colecionar e se encantar por objetos antigos, chegando num ponto de falar para a mãe para de pegar esses itens por não ter mais onde guardá-los.
A simplicidade do imóvel não agradou apenas o casal, mas seus filhos também. A casa pequena traz conforto e acolhe quem a visita. Mesmo de aparência pequena e com uma beleza discreta, observando sua estrutura, principalmente a fachada, é possível dizer que seus primeiros moradores não eram tão simples assim.
Quando a gente comprou a casa, no primeiro final de semana fizemos um churrasco para mostrar aos meninos. Aí o Jorge olhou ao redor e disse ‘Hum, agora o pai e a mãe são ricos, hein?’ e eu não tinha entendido, até que ele me explicou sobre as eiras e beiras que rodeavam o telhado. E é engraçado, né? Porque não era o tamanho da casa que delimitava o valor e mesmo uma casinha baixa possuía as eiras e beiras
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A casa escolhida para ser a nova morada da família Truppel faz parte do conjunto arquitetônico do centro histórico tombado pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional. Fora a beleza estrutural, São Chico tem paisagens naturais de tirar o fôlego e recebe inúmeros turistas ao longo do ano. Apesar da cidade ser deslumbrante, Cema não concorda que seja turística. Ao seu ver, para receber essa denominação, deve haver investimento público no setor, o que não é o caso.
A servidora pública observa que um turista demora, no máximo, uma hora para conhecer todo o centro, porque ele só tem a visão, não há interação ou placas disponíveis sobre a história por trás das fachadas. Ela vê um potencial enorme na cidade, mas que ainda precisa ser lapidado.
O turista olha pra igreja, tira foto e vai embora. Não tem uma placa ou alguém com disponibilidade para guia. Eu sei que é difícil e não vai ficar alguém 24 horas por dia à disposição, mas poderia haver um trabalho com as agências
Mesmo nunca tendo cogitado se inserir no berço histórico da cidade, Iracema e Jorge sempre marcavam presença pelas proximidades, seja para ir ao comércio local, trabalhar - a empresa de Bizuca fica a 85 passos da nova casa - ou para visitar amigos e familiares. A vida nesta pequena parte de São Chico é diferente dos outros bairros. A vida no centro histórico flui de jeito distinto, como se o local ainda estivesse preso ao passado. A região ao mesmo tempo que é movimentada, tem sua tranquilidade e alegria. Com a mudança, o casal teve que se acostumar com o estilo de vida no bairro.
A casa está colada na calçada. Ao abrir a porta ou as janelas, a rua já saúda com boas-vindas. Para Iracema, esse foi um dos pontos que ainda está aprendendo a lidar. Afinal, na antiga casa havia uma distância com a via e agora ela escuta qualquer barulho de carro ou conversa fiada que está ocorrendo do outro lado da parede.
Outra diferença encontrada é no quesito garagem. As casas da rua General Osório não foram equipadas para que seus moradores tivessem veículos, por isso os carros ficam estacionados na rua estreita e curta. Nem tudo foi um problema, a facilidade em chegar nas festas municipais, na proximidade com os amigos e trabalho e não pegar trem são alguns itens na lista de bônus.
“A primeira vez que a gente sentiu a facilidade de tá morando aqui foi comer cocada na Festa da Graça - festa tradicional da cidade em homenagem à padroeira e ocorre nos entornos da Igreja Matriz Nossa Senhora da Graça -. A gente não pegou o carro. A gente não pegou o trem e a gente não ficou rodando atrás de vaga pra estacionar. Simplesmente, pegamos a chave, abrimos a porta e subimos a rua” - Iracema Truppel
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No lugar menos provável, Bizuca e Cema encontraram um novo lar. As circunstâncias da vida os levaram a bater na porta da casa 66 e o que era para ser apenas uma visita casual, se tornou moradia permanente.